quarta-feira, 20 de julho de 2011




Foi só hoje que eu consegui perceber o que estava errado. Há tempos já não havia o mesmo eu dentro de mim, tampouco fora. A vida que se ajeita diante dos nossos olhos é o reflexo de tudo aquilo que ocorre por detrás deles. Eu me notei insatisfeita com o contexto, o texto, o enredo, mas não tinha percebido que o personagem, a palavra e a direção também estavam desfalcados. Por sorte sei que depois de toda crise vem o ressurgimento, a renovação, e o foi o que aconteceu hoje comigo.
Fui a um programa de auditório com a banda O Teatro Mágico, que, aliás, fazia tempo que não escutava, e quando o Fernando começou a tocar Realejo, ali, logo nas primeiras notas, na batida leve, eu vi, ouvi, senti você. E pude perceber as tantas coisas boas, todas as facetas que me compunham, que eu perdi, que eu deixei para trás quando decidi esquecer a ideia de um nós futuro. Não só a poesia das milhares de músicas que eu costumava inspirar, mas também toda a poesia que corria no meu corpo nunca mais conseguiu transpirar. De certo que o sofrimento humaniza e a felicidade ludibria, mas eu lutava pelo equilíbrio dos dois e me perdi na batalha. Já não sabia mais quem era adversário e por quem eu devia morrer.
Eu abandonei meus livros... Shakespeare parou de envenenar momentaneamente o meu coração, Vinicius me pareceu tão eterno quanto sua paixão, já não conseguia mais escutar as estrelas de Olavo Bilac, aliás, as únicas que falavam surdamente aos meus olhos eram as que compunham o Cruzeiro do Sul. Agarrei-me às palavras de Caio Fernando Abreu e passei a esperar somente um porre, férias e uma nova paixão, mesmo sabendo que eu não queria, não quero, viver nada disso, prefiro o refresco, o imprevisível do dia-a-dia e um amor pra vida inteira.
Eu abandonei meus papéis e minhas canetas... Verso nenhum rompeu mais a minha realidade do meu ideal. Sentimentalismo nenhum voltou a pulsar nas pautas azuis das folhas, nenhum rabisco conseguiu tirar a angústia do meu desencontro de mim mesma. Fiz desse blog um caderno esquecido no tempo, pois você está em todos as palavras dele.
Eu abandonei as girafas, as morsas, o nosso basenji. Deixei para trás o sono das baleias, Platão e as constelações. Meu último romance foi com Los Hermanos e, então, fechei as portas para toda e qualquer música boa que me fizesse lembrar de você. Por mais que elas ainda estejam no meu dedo, eu as deixei voar para longe, aquelas borboletas azuis que me davam nó na boca do estômago.
Mas fazendo isso eu me esqueci de mim. Não que eu esteja querendo recuperar um egocentrismo que eu, aliás, jamais tive, não, apenas quero o meu eu, que era seu, de volta. Eu era feliz daquele jeito, com aquele sentimento de amar a vida e sentir o pulsar vivo e complexo de cada criatura divina. Foi amando você que eu aprendi a amar o simples fato de estar viva. Burrice minha deixar isso tudo ir embora, ter deixado você ir embora. Acreditar que, ao continuar com tudo, faria-me sentir sempre que minha vida sem você é um grande nada.
Foi só hoje que eu percebi que não pode ser assim, que eu tenho que voltar a ser aquilo que eu fui de melhor, que só assim eu serei livre de toda essa massificação, toda essa coisa "comum" que eu me tornei. Que eu serei toda aquele eu, que era sua, mas só para mim. Impossível receber visita com a casa desarrumada. A partir de ontem em diante estou fechada para limpar o terreno, afofar a terra, pois creio que no tempo certo alguém mudar-se-á para o meu peito e, eu já sendo tudo o que realmente fui e sempre serei, dar-lhe-ei motivos para se enraizar.
Afinal, "Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior" e levarei comigo o conselho: "Camarada, viva a vida mais leve Não deixe que ela escorregue Que te cause mais dor (...) Viva a tua maneira Não perca a estribeira Saiba do teu valor E amanheça brilhando mais forte Que a estrela do norte Que a noite entregou".




DE ONTEM EM DIANTE
"De ontem em diante serei o que sou no instante agora
Onde ontem, hoje e amanhã são a mesma coisa
Sem a idéia ilusória de que o dia, a noite e a madrugada
são coisas distintas
Separadas pelo canto de um galo velho
Eu apóstolo contigo que não sabes do evangelho
Do versículo e da profecia
Quem surgiu primeiro? o antes, o outrora, a noite ou o dia?
Minha vida inteira é meu dia inteiro
Meus dilúvios imaginários ainda faço no chuveiro!
Minha mochila de lanches?
É minha marmita requentada em banho Maria!
Minha mamadeira de leite em pó
É cerveja gelada na padaria
Meu banho no tanque?
É lavar carro com mangueira
E se antes, um pedaço de maçã
Hoje quero a fruta inteira
E da fruta tiro a polpa... da puta tiro a roupa
Da luta não me retiro
Me atiro do alto e que me atirem no peito
Da luta não me retiro...
Todo dia de manhã é nostalgia das besteiras que fizemos ontem."

2 comentários:

  1. Nossa vc é dona de todos aqueles blogs?
    *o*
    Muito lindo esse, sempre gostei dessa frase da Clarisse *-*

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