quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Ela vestia um vestido bem decotado. Num tom dourado leve, com algumas rendas leves nos encontros das costuras. O cabelo castanho claro, do lado direito, estava puxado para trás, preso com uma daquelas prisilhas antigas, de madrepérola.
Estava sentada no campo, no meio da grama verde clara. Apoiava-se no braço esquerdo e as pernas estavam jogadas de lado, uma sobre a outra. De costas para mim.
No ombro direito, desnudo, saliente, estava pousada uma borboleta azul. Azul. Azulíssima. Reluzente.
Suas mãos brincavam distraidamente com a grama úmida. Ela cantarolava uma canção, uma melodia que ele sentia que conhecia, mas que nunca havia escutado. Aliás, ele poderia até jurar que aquelas notas nunca haviam passado pelo seu senso auditivo, mas jurar é ousar, quando se sonha demais.
Ele chegou por trás e sentou-se, praticamente, da mesma maneira que o corpo dela estava.
Aproximou a cabeça do pescoço dela, fechou os olhos e inspirou lentamente. Aqueles longos, ondolados e macios cabelos, carregavam consigo perfume de brancos lírios.
Abriu os olhos. Levou a mão esquerda até o ombro desnudo dela, calmamente, carinhosamente. E de modo delicado conseguiu convencer a borboleta a passar da saliencia lisa, para a rugosa da mão dele. Nesse momento ela inclinou a cabeça para a direita, observando-o com o rabo dos olhos que, mais uma vez, estavam pintados das mesmas cores que antes.
Ele ficou olhando a borboleta abrir e fechar as asas. Ela ficou olhando-o. Ainda cantarolando, enconstou a cabeça na cabeça dele e fechou os olhos.
As mãos dele estavam entretidos com a simplicidade do inseto. As dela estavam distraídas com a umidade da planta.
Ninguém falou hoje.
Os olhos dela estavam caramelizados. Na cor e na expressão.
- Cecília.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Dessa vez ele não estava sonhando. Ou pelo menos queria acreditar que assim o fosse.
"Hoje eu não quero dormir","Hoje eu não quero dormir", repetia e denovo, sua consciência.
Ele saiu pela porta de vidro, na sacada do seu apartamento. A brisa, mais uma vez, estava morna e isso fez com que os poros em sua pele eriçassem os pêlos dos braços.
Os braços, excitados, debruçaram-se na pedra de mármore que ficava sustentada pelo cimento da sacada. Ele via a cidade dormir, o sol se pondo, as luzes se acendendo em blocos, os barulhos dos carros se dissipando. Dentro de pouco, o círculo branco, naquele dia minguante, apareceria no céu. Longe, linda, límpida, longe. Frustrante.
Esse pouco chegou, a lua surgiu e trouxe-a consigo. Dessa vez com um vestido leve, quase transparente e mais detalhes que não cabem a mim contar. Esvoaçante.
Ela pousou sobre a pedra de mármore, os pés descalços envoltos e faixas brancas muito bem lavadas. Dessa vez, no olho direito, um desenho estranho. Uma maquiagem diferente. Azul e rosa. Os cabelos não estavam nem de um lado, nem de outro, tampouco dançavam sobre a cabeça dela. Caídos sobre os ombros brancos, bem marcados, de busto farto e mais detalhes que a mim não cabem.
Dessa vez, foi ela quem falou:
- Gosto da maneira como você fala... Mexendo com os lábios.
A boca dela não se mexia.
- Gosto do tempo curto entre o dilatar e o relaxar das suas narinas. Do abrir e fechar das suas pálpebras.
Os olhos dela iam de um a outro dele.
- Gosto da textura da sua pele, de sentir cada filamento roçar no meu corpo frágil e arranhar os meus sentidos. Do jeito como suas mãos tocam na minha face com medo de que eu vaze por entre seus dedos denovo.
As mãos dele se levantaram. Ela estava encurvada e isso facilitou o percurso. Pegaram em suas bochechas rosadas.
- Gosto do calor que o teu corpo pode emanar, do constrangimento em mim causado pelo seu olhar, da vida que corre na sua carne, do seu viver, da sua finitude.
Ele somente a acariciava.
- Gosto do seu tempo, de degustá-lo. Admiro sua habilidade de sentir, de sofrer e sorrir.
Aproximou-se dela. Quando isso aconteceu, ela segurou em suas mãos, baixou-as e por fim, ainda sem movimentar os fartos lábios, disse:
- Acima de tudo, gosto da sua capacidade de sonhar fielmente comigo e de contentar-se com o fato de que eu só existo nesse breve espaço do seu dia. Ou da sua noite.
A boca dela tocou na dele. E seus dentes lhe fizeram uma marca. Forte, profunda.
A dor apertou. Ele acordou no sofá. Sentou-se. Levantou-se. Fechou a porta de vidro que dava para a sacada. A cidade estava acordando, o sol se levantando, as luzes se apagando e os carros seguindo suas rotinas.
Seguiu até o corredor e parou de frente para o espelho. A marca no seu lábio inferior sangrava.
"A solidão me marca intensamente" , ele disse para si mesmo, sem fazer a mecânica da fala.
Ele foi trabalhar. Os olhos dela, naquela noite, estavam azuis celeste.
- Cecília.
sábado, 22 de agosto de 2009
Ele estava sozinho mais uma vez.
Sentado numa cadeira de balanço, feita de madeira, entalhada a mão. Ele ia e vinha.
Para frente e para trás.
A cadeira ficava bem em frente à porta da casa. Nos seus pés havia um tapete branco, humilde.
Os braços, descançando sobre os braços da cadeira. As costas confortavelmente recostadas no encosto.
Os cabelos dele, negro, iam de um lado a outro da cabeça, loucos com a brisa. Os olhos, também escuros, estavam brilhantes. As pálpebras com os longos cílios, semicerradas.
Ele ia e vinha. Ia e vinha. A cadeira rangia.
Os movimentos eram despercebidos aos olhos dele que, na verdade, não estavam ali. Aliás, nem os pés dele estavam ali. Dois estavam perdidos no limite entre o azul do céu e o verde do mato. Outros dois estavam perdidos no caminho terroso que abria ao meio o verde do campo.
De repente, o empurrar e ser empurrado, cessaram.
Ela estava naquele caminho, de pé. Ele não estava mais sentado.
- Sabe do que eu não gosto em você? - ele gritou interrogando-a.
- Não. Do que? - ela, calma e serena como sempre, devolveu-lhe com mais uma pergunta.
- Não gosto de como toda a sua face sorri em conjunto. Boca, bochecha e sobrancelhas.
Nada.
- Não gosto do jeito gracioso com que os seus cabelos acompanham o rumo do vento. Da maneira como a sua roupa fica impedida pelo seu corpo de ir junto da brisa.
Só os grilos foram ouvidos no silêncio entre os corpos.
- Não gosto como a intensidade da sua respiração nos nosso momentos de loucura me tomam o fôlego. De como minha boca seca quando você larga os meus dedos. De como eu estremeço quando lembro do seu toque, da suas mãos espalmadas nas minhas costas. De como você vaza pelas minhas mãos tão facilmente.
Ela olhava para ele. Só.
- Não gosto da sua maneira de invadir meus sonhos, estando eu dormindo ou de olhos abertos. E da sua maneira de sair deles, gosto menos ainda.
...
- Não gosto da sensação de tempo estacionado quando seu corpo fica na presença do meu. E de como ele acaba rápido quando você se vira e some. E como ele segue arrastado, como se carregasse sacos de pedras enormes e pesadas, vagaroso, quando meus olhos não podem alcançar o limite da sua existência.
Ela sorriu.
- Mas acima de tudo, apavoro-me com a ideia de não poder definir esse sentimento estranho que pesa no meu peito, que porporciona, a cada palavra dita e não dita sua, uma aceleração dos meus batimentos cardíacos, que molha a minha face de nervoso, que gela minhas mãos, que me atordoa e me tira do sentido, exila-me da área da razão.
Como ela permaneceu sem dizer nada, ele fechou os olhos, como se os piscasse, mas demoradamente, esperando acordar e não mais vê-la.
Ao abri-los, ela estava a milímetros do físico dele. Os olhos castanhos e brilhantes dela olhavam de um olho a outro dele. Esquerdo, direito. Esquerdo, direito. Vagarosamente. Todo o rosto dela sorria.
Sem muito esforço, ela diminuiu os poucos milímetros entre eles, pegando em sua mão carinhosamente.
Colocou-a na altura dos olhos e analisou-a. Cada veia saltada, cada dedo. Fechou-a, abriu-a e analisou todo o movimento enquanto fazia isso. Depois colocou-a levemente sobre o próprio peito e olhou nos olhos dele.
Ele ficou espantado. Não com o ato, mas por não sentir batimento algum tentar romper o peito dela.
Ela desceu as mãos e aproximou o ouvido no peito dele. Lá, quase que pulando para fora, o músculo involuntário dele estava com uma batida incontável de rápida. Ela riu deliciosamente e abraçou-o. Segundos depois a pulsação dele pensou em parar. Talvez para sentir em toda a parte do corpo, a aproximação da ternura dela.
O céu estava azul claro com nuvens brancas, fofas, espaçadas. O sol estava claro, morno. O vento tinha parado, junto do tempo. Ele vestia uma camiseta branca, com a gola num corte em V. Jeans nas pernas. Descalço. Ela vestia um vestido lilás, com uma fita roxa envolvendo a cintura, finindo num laço nas costas. Descalça.
Ela se afastou. Levou a mão direita à bochecha esquerda dele. Com o polegar, acariciou-a, subindo e descendo. Os olhos dela, iam de um a outro dele. Ela, mais uma vez desceu a mão, virou-se e saiu andando.
Poucos metros longe, virou para ele, sorriu, abriu as asas e sumiu.
Como um pulo, sentado na cadeira de madeira, ele acordou ofegante. E podia jurar: os olhos dela, estavam numa cor que tendia ao lilás. Os dele, vazios.
"A pessoa por quem a gente se apaixona é sempre uma invenção." - Romance.
- Cecília.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Ela foi chegando de mansinho e deitou na rede branca, que ficava presa nas pilastras da varanda.
As pernas quase magras empurravam o chão para mover os ventos nos cabelos quando a rede fazia o movimento antagônico da ida.
O vento era morno, a luz do sol entrava pelas árvores, terna e quente, as borboletas iam de flor em flor colhendo pólen, provando os diferentes gostos.
Até que a cabeça dela encontrou o peito dele e ficou ali.
-Sabe o que eu gosto em você? - ele perguntou.
- O quê? - ela respondeu com pergunta.
- Gosto da maneira como sua cabeça se encaixa bem no meu peito e deixa seu cheiro bem abaixo da minha respiração, pra me deixar louco e parcialmente saciado.
Ela ficou quieta.
- Gosto quando as minhas mãos seguram o seu rosto, como se ele fosse feito da mais sensível procelana que com um suspiro diferente correria o risco de trincar e perder a clareza.
Ela ficou quieta.
- Gosto da maneira como seus olhos perfuram o meu íntimo, buscando me confortar e da maneira como seu sorriso me abraça.
Silêncio.
- Gosto da maneira como minha mão cabe no vão dos seus dedos, como a sua pele se contrasta com a minha, como seu peito arfa durante a inspiração do ar, e como você me apavora quando demora demais para expirá-lo.
Ele riu. Ela, calada.
- Gosto da maneira como você me beija e como consegue mudar o conforto para o arrepio quando da carícia nos lábios passa a mordê-los. Gosto do caminho que suas mãos percorrem antes de chegarem no meu pescoço e do cheiro que a sua pele deixa como rastro.
Ela levantou a cabeça. Os cabelos castanhos claro ficaram voando com o vento, passando pelos olhos, também castanhos, acariciavam os lábios rosados, enfim, desenhavam sobre aquele rosto fino, perfeito.
Olhou-o intimamente. Sorriu, claramente. Tocou-o no rosto. Aproximou-se.
Colocou a boca úmida sobre a sedenta dele. Sugou dele toda aquela vontade.
Afastou-se. Sorriu mais uma vez e se levantou.
E foi andando pelo mato. O vestido branco esvoaçava. Ela olhou para trás e depois...
sumiu.
domingo, 16 de agosto de 2009
A infância é um estágio magnífico.
Puro, inocente, despreocupante e acima de tudo, criativo.
O mundo é um parquinho.
Às vezes, posso dizer quase que com muita frequência,
eu sinto que estou sentada num gira-gira.
E a cada instante rodando mais rápido.
Mais rápido.
Mais rápido.
Há pessoas que passam como borrões.
Há aquelas que pulam, arrisacando-se, e sentam do seu lado.
Há as que pulam e caem.
Há as que têm medo de pular.
E existe eu, que tem medo de descer.
Que pede: "Mais rápido, mais rápido!"
E ela gira.
E gira
E gira
E eu então fecho os olhos.
Eu não estou mais lá
Estou curtindo o momento
O vento
Viajando no meu pensamento
Fazendo dele realidade
Fazendo dele um caminhar longe do gira-gira.
Fazendo do sonho, os pés no chão.
Mas
De repente,
pára.
E a vida volta ao tédio da realidade incontestável.
><, eu só queria viver longe.
Mas eu cresci =/.
Cecília.
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