segunda-feira, 24 de agosto de 2009



Dessa vez ele não estava sonhando. Ou pelo menos queria acreditar que assim o fosse.

"Hoje eu não quero dormir","Hoje eu não quero dormir", repetia e denovo, sua consciência.




Ele saiu pela porta de vidro, na sacada do seu apartamento. A brisa, mais uma vez, estava morna e isso fez com que os poros em sua pele eriçassem os pêlos dos braços.




Os braços, excitados, debruçaram-se na pedra de mármore que ficava sustentada pelo cimento da sacada. Ele via a cidade dormir, o sol se pondo, as luzes se acendendo em blocos, os barulhos dos carros se dissipando. Dentro de pouco, o círculo branco, naquele dia minguante, apareceria no céu. Longe, linda, límpida, longe. Frustrante.




Esse pouco chegou, a lua surgiu e trouxe-a consigo. Dessa vez com um vestido leve, quase transparente e mais detalhes que não cabem a mim contar. Esvoaçante.




Ela pousou sobre a pedra de mármore, os pés descalços envoltos e faixas brancas muito bem lavadas. Dessa vez, no olho direito, um desenho estranho. Uma maquiagem diferente. Azul e rosa. Os cabelos não estavam nem de um lado, nem de outro, tampouco dançavam sobre a cabeça dela. Caídos sobre os ombros brancos, bem marcados, de busto farto e mais detalhes que a mim não cabem.




Dessa vez, foi ela quem falou:




- Gosto da maneira como você fala... Mexendo com os lábios.




A boca dela não se mexia.




- Gosto do tempo curto entre o dilatar e o relaxar das suas narinas. Do abrir e fechar das suas pálpebras.




Os olhos dela iam de um a outro dele.




- Gosto da textura da sua pele, de sentir cada filamento roçar no meu corpo frágil e arranhar os meus sentidos. Do jeito como suas mãos tocam na minha face com medo de que eu vaze por entre seus dedos denovo.




As mãos dele se levantaram. Ela estava encurvada e isso facilitou o percurso. Pegaram em suas bochechas rosadas.




- Gosto do calor que o teu corpo pode emanar, do constrangimento em mim causado pelo seu olhar, da vida que corre na sua carne, do seu viver, da sua finitude.



Ele somente a acariciava.




- Gosto do seu tempo, de degustá-lo. Admiro sua habilidade de sentir, de sofrer e sorrir.




Aproximou-se dela. Quando isso aconteceu, ela segurou em suas mãos, baixou-as e por fim, ainda sem movimentar os fartos lábios, disse:




- Acima de tudo, gosto da sua capacidade de sonhar fielmente comigo e de contentar-se com o fato de que eu só existo nesse breve espaço do seu dia. Ou da sua noite.




A boca dela tocou na dele. E seus dentes lhe fizeram uma marca. Forte, profunda.




A dor apertou. Ele acordou no sofá. Sentou-se. Levantou-se. Fechou a porta de vidro que dava para a sacada. A cidade estava acordando, o sol se levantando, as luzes se apagando e os carros seguindo suas rotinas.




Seguiu até o corredor e parou de frente para o espelho. A marca no seu lábio inferior sangrava.

"A solidão me marca intensamente" , ele disse para si mesmo, sem fazer a mecânica da fala.




Ele foi trabalhar. Os olhos dela, naquela noite, estavam azuis celeste.


- Cecília.

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